Pela manhã, gosto de caminhar até uma das padarias do bairro, onde tomo um bom café, seguido de uma garrafa de água bem gelada, enquanto desfruto da leitura de algum livro aleatoriamente escolhido para o dia. Levo comigo um pequeno caderno onde costumo anotar os pequenos insights que se apresentam durante a meditação livresca. Essa é uma oportunidade que tenho de fazer um balanço entre o modo operante que me é apresentado através das futilidades das eufóricas conversas de balcão e o poderoso e transformador silêncio emanado da essência das palavras contidas nas entrelinhas dos livros destes homens e mulheres que sempre estiveram a remar contra a maré da milenar mediocridade coletiva.
Num determinado momento da leitura, aproximou-se um obeso rapaz, que há alguns dias vem bebendo uma grande quantidades de limões, que, segundo ele, fazem parte de um tratamento que retirou de um livro para fazer uma "limpeza interior". Nosso contato nunca passou daquele social "tudo bem?", mas, naquele dia pude perceber sua curiosidade com relação ao meu modo de ser, às minhas leituras matinais e também quanto às anotações. Para minha surpresa, meio vacilante, acabou saindo de seu canto do balcão, vindo em direção à mesa e perguntando:
— Você está escrevendo um livro?
— Mais ou menos isso... — respondi deixando um hiato de silêncio no ar o qual deu origem àquele olhar de "quero mais" em relação a resposta. Ele continuou ali à espera de uma resposta mais conclusiva. Ao perceber seu interesse, respondi:
— Estou me reescrevendo, página por página, na esperança de num dia destes, quem sabe, possa ser tocado por meu autor.
Pelo sorriso, tive a impressão de que ele não compreendeu o espírito da fala. Fez então um breve aceno, voltou-se para o balcão em direção ao suco de limão, o qual bebeu num só gole, fazendo com certeza, um enorme esforço para disfarçar dos presentes, a acentuada acidez que tomava sua garganta e estômago.
Alimentar em nós aquilo que não faz parte de nossa real natureza é uma manifestação de vaidade e, portanto, um produto do domínio do ego. Quando estamos sobre a poderosa influência do ego, toda forma de auto-agressão, seja física ou emocional, por falta de inteligência, é possível de ocorrência. A preocupação com a manutenção da imagem da criada identidade pessoal, impede a revelação da natural e impessoal alteridade. Quando se é prisioneiro dos domínios do ego, facilmente se é sugestionável às influências do ego social.
Uma existência dominada pelo ego é uma existência sem propriedade, sem originalidade, sem autenticidade e, portanto, só pode produzir imitação, ainda que levemente modificada pelo temperamento, tendências e índole pessoal. Como uma existência dominada pelo ego tem sempre seu olhar voltado para o exterior, não há como se conhecer nada que seja original, nada que venha da fonte da vida, fonte esta que só pode ser percebida, sentida, quando desligados de toda forma de influência externa que não seja uma original expressão da vida. Quando, em meditação, nos voltamos para nossa realidade interior, descobrimos a presença de uma Mente e Coração Sútil, através dos quais, a originalidade do não manifesto, pode ser fazer manifesta.
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